Assisti na segunda-feira, 03-10, uma palestra com Fábio Barbosa, presidente do Banco Real, do Santander (e presidente da Febraban), na Casa do Saber. A palestra foi ótima, especialmente num dia como aquele, de caos no mercado financeiro (que se prolongou durante toda a semana). Para se ter uma idéia, todos os participantes receberam um email, meia-hora antes, com um importante aviso: “a palestra está confirmada”. :-)
Fábio conquistou o público. É um excelente orador, calmo, fala devagar, baixo. Aos poucos conquistou a todos. Fez uma ótima retrospectiva de sua vida profissional, com dicas e uma maneira de contar que me inspirou. Ele gosta de rabiscar, para organizar as idéias. Pediu papel antes de começar a falar.
Disse ter obsessão pelo Brasil, por isso quis voltar para cá quando estava muito bem, trabalhando na Suíça para a Nestlé. Perguntou-se: trabalho com finanças, porque não trabalhar em um banco? Daí resolveu voltar ao Brasil e pediu demissão da Nestlé. Abriu mão de uma posição confortável e arriscou.
No início no banco, trabalhava em controladoria, uma área “non-differentiated” no banco. Ao falar sobre isso, disse ninguém gosta de ser “não alguma coisa”. Mesmo estando super bem na época (era diretor), pediu para ser transferido para tesouraria. Com isso optou por ser “rebaixado” de cargo. Foi criticado por amigos e colegas, como um erro.
Explicou que se perguntou: “estou aqui por acaso?” Se sim, não tenho competência, melhor garantir com unhas e dentes esse espaço que conquistei. Se não estou por acaso, mas por competência, capacidade, posso dar esse passo agora, e se precisar, volto atrás, recomeço. Uma forma ótima de avaliar decisões de carreira, em especial para quem quer mudar de área, ou pedir demissão de uma empresa “mala”.
Deu aula em faculdades sobre opções, mercado futuro, derivativos. Ele acha que as empresas podem ser melhor gerenciadas ao saber usar essas técnicas. Aí perguntavam: como usar isso para desviar dinheiro de uma empresa para outra? A resposta dele – querer que eu te explique isso é como ir a uma auto-escola e pedir para te ensinarem a matar gente usando um carro. Não estou aqui para isso. A forma como ele contou isso, já me ganhou (e acho que metade da platéia).
Acredita em “trabalho, profissionalismo e persistência“. Disse que tem uma frase do Airton Senna num quadro em sua sala, com esses dizeres.
O Jair Ribeiro, da Casa do Saber, moderador e entrevistador do curso, disse que mandou o livro “Made in America”, a biografia do Sam Walton do Wal-Mart para o Fábio, quando ele assumiu o Banco Real (era o presidente de um banco bem menor no Brasil, o ABN). O Jair disse que manda livros de presente para amigos, com uma mensagem específica, quando assumem cargos desafiadores. Fiquei curioso, com sempre, por uma lista de sugestões.
Criou código de ética para o Banco Real (daí a origem da frase “sem canelada”). Procurou criar uma cultura de relacionamento de longo prazo com o cliente do Real. Sofreu muito com isso, disse ter sido difícil implementar, mas que as pessoas querem isso, querem ser honestas, trabalhar direito. Vinte mil pessoas no Real endossavam essa proposta. “O Brasil está revendo seus valores”, isso ajudou o banco nesse projeto. Me lembrei de quando fui fechar minha conta no Real. Achei que seria chateado de todas as formas, da mesma maneira que ocorre quando você tenta cancelar uma linha telefônica, ou a TV a cabo da Net. Foi fácil, rápido e amigável.
Desse trabalho de fazer certo e relacionamento de longo prazo, nasceu o trabalho na área de sustentabilidade. Descobriu que empresas que se preocupam com sustentabilidade são mais rentáveis, pois geralmente estão mais preocupadas que a média com outras coisas importantes: pessoas, gestão, inovação, etc. Fazendo esse trabalhou começou a encontrar ressonância em outras empresas, clientes do banco. Criaram um Espaço de Práticas, onde compartilham com outras empresas suas experiências nessa área.
Citou Peter Drucker, para trabalhar bem, “seu funcionário precisa de uma causa“.
Resultado é legging indicator (algo que já aconteceu). Marca é trend indicator (algo que ainda vai acontecer).
Seu maior erro foi confiar nas pessoas, teve um prejuízo no banco, que se não tivesse “moral” com a matriz, também teria sido demitido. Várias vezes durante a palestra falou de pontos fracos, como “temos milhares de funcionários, tem de tudo, até bandido, talvez tenhamos até alguém normal”. Essa franqueza conquista as pessoas e fez com que as outras coisas que contou soassem mais verídicas. Disse que é quase naive, inocente. E busca pessoas que o complementem, por isso tem gente na equipe com mais malícia. Outra área que precisa de complementação é na atenção aos detalhes.
Falou do seu projeto 100. Vai viver 100 anos, por isso planeja a vida com esse horizonte. E toma suas decisões com esse horizonte. Exemplo: plantar árvores na sua fazenda.
Como lida com o stress. Janta em casa quase todas as noites. Antes de ir a palestra naquela noite, foi em casa tomar um banho. Tem uma fazenda de café (uma casa de campo com uma atividade produtiva, para não ficar parado). Faz meditação. É tranquilo. Essa talvez seja a melhor dica. :-)
Ao contratar. Busca brilho nos olhos, vontade de aprender, drive. Procura gente de bem com a vida. Com engajamento. Para equipe próxima: com qualidades que o complementem (malícia e detalhismo). Disse: tenho 54 anos e não me conheço, sei que terei uma enorme dificuldade de conhecer uma pessoa realmente, em uma entrevista de 15 minutos.
Na época da venda do Real para o Santander montou um blog para se comunicar com todos os funcionários do Real, mante-los atualizados.
Quer ser um exemplo, para outros bancos, para outras empresas, para o Brasil, de que pode dar certo, pode lucrar, sem transgredir. Ao assumir a Febraban, recomendou: precisamos acender a luz. A imagem dos bancos é pior do que a realidade. Precisamos mostrar mais, ser mais transparentes, aí a imagem vai melhorar. Sugeriu montar código de conduta para todos os bancos. Teve dificuldade, mas conseguiu. Repetiu: ninguém quer ser contra isso assumidamente.
Sobre a crise.
Serão dois estágios: o incêndio e a busca aos escombros. Ainda estamos no incêndio. Quando parar de queimar, vamos avaliar o que sobrou, o que podemos fazer.
A crise é importada, logo os efeitos no Brasil virão no câmbio e nas exportações (menor demanda mundial). Economia vai desacelerar (bastante).
Bancos devem fazer três coisas:
- emprestar dinheiro
- render dinheiro para quem aplica lá
- fazer pagamentos
“Parece que alguns bancos resolveram fazer mais do que isso, daí o problema”.
Os EUA têm uma enorme capacidade de reinvenção. O Brasil ia crescer 5%, agora devemos crescer 2-3%, talvez decrescer 1-2%, na pior das hipóteses. Não vamos ter uma grande depressão.
Não pegue dinheiro emprestado agora. Se está investindo com recursos próprios, talvez valha a pena fazer agora. Se o recurso não é próprio, espere para ver o que vai acontecer.
Suas qualidades, perceptíveis na palestra:
- sabe escutar
- diretivo
- envolvente
- disciplinado
- tem processos e procedimentos
- acredita muito no que fala
Disse que acredita no acaso. Recomenda não comemorar demais o sucesso, ou chorar demais o fracasso. Disse que ao fazer 50 anos, fez um retrospecto da vida e aos filhos confidenciou que não gostaria de viver a vida novamente, do zero, pois provavelmente não teria tanta sorte, não chegaria tão longe quanto chegou. Nessa hora, falou com humildade e franqueza, como em todo o tempo.
Tocou novamente no Projeto 100, quer causar impacto no Brasil. Não descarta entrar para política, mas reforçou que é um falso mito pensar que quem pode fazer, melhorar o Brasil está na política. Quem está nas empresas também pode melhorar o Brasil, e muito.
Satisfação
Perguntei como o banco mede a satisfação dos clientes, o que é bastante difícil de medir. Disse que usa o NPS da consultoria Bain. Tem um conselho de 20 clientes, com uma reunião mensal. Fiquei satisfeito, por ter lido o livro, gostado muito e aplicar os conceitos.
Frases:
- Estou aqui por acaso, ou por competência?
- Não deixe que a inércia tome conta da sua vida.
- O dinheiro não permite que você faça o que quer, mas pelo menos permite que você não faça o que não quer.
- Vim trabalhar no Brasil com empresas que têm comprometimento com o país.
- O jogo é duro, mas é na bola, não na canela (repetiu várias vezes, seu mantra no Real).
- Dar certo, nas coisas certas, do jeito certo.
- Seja o que você é. Eu não consigo ser malandro, não sou bom nisso.
- Há um falso dilema: fazer certo X dar lucro.
- Não sou contra derrubar árvores. Sou contra ilegalidade.
- Resultado = resulta de alguma coisa. Não dá para olhar só o resultado.
- Lucro = cliente satisfeito = funcionário satisfeito (+ marca / sustentabilidade).
- O Brasil está revendo seus valores.
- Não sou capaz de tocar um banco de outro jeito (sobre a ética nos negócios).
- Ninguém tem coragem de falar alto “sou contra ética”.
- Transparência sim, democracia não (sobre seu estilo de liderança).
- Não vire torcedor, aja.
- Gestão = alinhar objetivos das pessoas com os da empresa
Fábio gosta de trabalhar com gente. É tímido, mas consegue impulsionar, incentivar as pessoas ao seu redor. Comprovei isso na palestra. No final pensei, se for abrir uma conta em outro banco, vou avaliar o Real. Procurando imagens no Google, descobri que também é flamenguista.
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