Há pouco mais de 10 anos, vender café em restaurantes e bares era considerado quase impossível no Brasil. Acreditava-se, mesmo em lugares “chiques” que o cliente não pagaria pelo café, deveria ser gratuito e não precisava ser de alta qualidade. Restaurantes muito bons tinham café coado, sem muita preocupação.
Com o tempo, foram surgindo os cafés espressos, com suas máquinas, em diversos lugares. Começou-se um trabalho muito bem feito de de promover (e vender) o café de alta qualidade. Os especialistas dizem que um tripé garante o espresso perfeito: o café, a máquina e o barista (profissional que “tira” o café).
Os grãos precisam ser escolhidos, selecionados, provados e torrados corretamente. A máquina muito bem regulada. E o barista treinado para preparar e explicar, ensinar sobre o produto.
Pode-se ter como exemplo o vinho, com suas regiões, cepas, histórias e tradições. Tudo isso existe no café, e é cada dia mais explorado. Um exemplo de marketing bem feito, além de incluir atualmente as certificações de sustentabilidade (3 pilares: social, ambiental e econômico).
Hoje isso, é possível encontrar cafés de excelente qualidade em muitos lugares do Brasil. A primeira marca que ganhou espaço foi a italiana Illy, tradicionalíssima em espressos no mundo. Eles são muito bons de produto, de promoção e marketing, e em contar a história da empresa, da família e do café. Têm, por exemplo, uma coleção de xícaras pintadas, para promover discretamente o café deles. Financiam uma universidade corporativa para treinar e capacitar produtores que fornecem matéria-prima. Fazem anualmente um concurso que premia os cafés, que melhor se adequam ao blend da marca. Enfim, fazem um trabalho muito bem feito para promover a marca e garantir sustentação do market share e sobre-preço conquistados. Outro exemplo, muito bem-sucedido de café de alta qualidade e caro, é o Nespresso da Nestlé.
Alguns produtores de cafés especiais perceberam que era preciso ser dono da marca para agregar mais valor ao seu produto. Um deles é o Café Fazenda Pessegueiro, da família Gonçalves Dias de Mococa-SP, capitaneado por Clóvis Gonçalves Dias Filho, ou Tio Clovinho como me acostumei a chamá-lo desde criança.
O café Pessegueiro é produzido em uma única fazenda e ganhou um prêmio único, “The Hidden Treasure”, da SCAE (Associação Européia de Cafés Especiais). O primeiro e único café brasileiro a ganhar essa honraria. Há pouco tempo começaram a fornecer para a rede argentina Havanna. O café é especial. E tem história.
No entanto, parece que alguns locais entendem o café espresso como mais uma oportunidade de faturar, sem se atentar para a qualidade. Sem se preocupar com café, máquina ou barista. Ontem, no aeroporto de Campo Grande, tomei um espresso na Casa do Pão de Queijo que me assustou. Um café mal tirado, sem creme, nada especial, parecia mais um café coado e “cozido”, daqueles que ficam horas na garrafa térmica, ou em banho maria. O preço: R$ 2,00! Perguntei assustado: é esse o café espresso? A moça, indiferente, respondeu: sim. E virou-se. Em outras franquias da CPQ, o cuidado com o café é maior, parecido com dado ao pão de queijo (sou fã do recheado com polenguinho).
Quem vende café espresso de qualidade conseguiu fazer algo muito difícil, mudar o hábito do brasileiro. Criando um novo mercado, daqueles que pagam e apreciam cafés diferenciados. Isso é fantástico e deve ser comemorado. No entanto, quem vende gato por lebre precisa ser combatido. A melhor forma para isso é levar mais informação, ensinar o consumidor. Um ótimo exemplo é o vinho. Há mercado para vinhos caros e baratos, mas eles não se misturam.
Um café que simplesmente foi feito em uma máquina de espresso não pode ser vendido e entendido como o mesmo que um café gourmet, especial, com história, bem tirado. É preciso mais do que isso. Não vamos misturar o especial com o comum.